Reportagem sobre mobilidade reduzida na Universidade

16-11-2021

Conheci a Catarina há 8 anos, quando o destino nos cruzou em Coimbra. Entrávamos no Mestrado Integrado em Psicologia na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. Não tínhamos uma relação muito próxima, apesar de reciprocamente simpática e respeitosa, como era quase geral no espírito místico e saudoso da velha cidade dos estudantes. 

Ela tem muito mais juízo do que eu. Nem na noite nos teremos cruzado, porque ela ia quando podia e eu ia quando não podia. Eu saí e mudei de vida, ela ficou e faz caminho. É psicóloga clínica e está a doutorar-se na mesma casa onde ambos começamos e que me aperta o coração de cada vez que me salta à memória. Eu vim formar-me em Ciências da Comunicação. Nunca mais falamos, como tantas vezes acontece de forma inconscientemente injusta quando a vida separa pessoas que nunca se zangaram.

Em Técnicas de Expressão Radiofónica, o Professor Pedro Mesquita empurra-nos quase todas as semanas para uma amostra da azáfama da atividade jornalística e pede-nos constantemente reportagens com características muito específicas.

Nessa semana, decidi fazer uma reportagem sobre a força social do meu Varzim Sport Club e a paixão indescritível que as mulheres poveiras têm pelo sofrido clube da sua terra. O amigo e jornalista André Rodrigues avisou-me que não era boa ideia reportar sobre algo em que eu não estava seguro quanto às minhas emoções. Aprendemos todos os dias. 

Decidi arriscar e que ia fazê-lo num Varzim x Marítimo para a Taça de Portugal. O André tinha razão. O Varzim faz um jogão e empurra o Marítimo da Primeira Liga para os penaltys. A cada momento, levantava-me à procura de alguém para gravar e voltava a sentar-me e a roer as unhas com mais um canto, mais um contra-ataque, mais uma falta mal assinalada. Foi impossível. Não gravei coisa nenhuma e não tinha material para a reportagem.

Tive de mudar o chip e, enquanto pensava, lembrava-me dos lamentos da Alexandra, que conheci há 2 anos na Universidade Lusófona do Porto e agora faz parte da minha turma, quanto à forma como a sociedade encara e interage com as pessoas de mobilidade reduzida. Foi aí que me lembrei também da Catarina. Realmente, muito se fala sobre as dificuldades das pessoas com deficiência na sociedade, mas não me lembrava de ver abordada a dificuldade dessas pessoas para se intelectualizarem. Fala-se muito com especialistas que sabem, evidentemente, como abordar estas questões e apontar soluções, mas não me lembrava de ver abordada esta questão sobre o ângulo dessas mesmas pessoas com deficiência. Estava encontrado o tema que iria abordar em mais um simples trabalho académico de reportagem.

A Catarina está em Coimbra. Convidei-a por mensagem e pedi-lhe que me respondesse às perguntas em gravação áudio. Acedeu prontamente.

Quando comecei a ouvir os áudios que me enviou (e vou cometer uma inconfidência que não comentei com a Catarina, mas que me parece relevante) deparei-me com dificuldades de dicção provocadas pela sua deficiência que, na altura, não me recordava serem tão acentuadas. Visto tratar-se de uma reportagem audio, levei as mãos à cabeça e pus-me a pensar como diria à Catarina que não poderia utilizar o seu contributo pela imperceção patente nos audios que me enviou, sem que a ofendesse com o que pensava fazer. A culpa não era dela, nem minha. Era a vida e a especificidade da rádio.

Com mais algum tempo de reflexão comecei a pensar que, da mesma forma que alguém com dificuldades de locomoção resolve a sua vida com uma bengala ou uma cadeira de rodas, eu podia dar uma "bengala" à sua voz, traduzindo com a minha voz as fortes mensagens que me enviara para o e-mail, como se de uma estrangeira se tratasse. Mas não era justo. Estaria a prolongar a sua invisibilidade e a mascarar o meu trabalho. A sua voz tinha de ter uma "bengala" mas também tinha de ser ouvida. Pensei em soluções e pedi ajuda ao Professor Pedro Mesquita e ao André. Os seus contributos foram determinantes para o trabalho que agora, semanas depois, partilho convosco.

Que sensação maravilhosa! A arte do jornalismo também está aqui, em dar voz a quem não a tem, em despertar consciência para problemas que estão mesmo ao nosso lado e para os quais nunca ousamos refletir, em descobrir conteúdo relevante em figuras que (à primeira vista) aparentam nada ter a acrescentar, em parar para pensar em ferramentas que facilitem esta ligação imprescindível à humanidade que é a comunicação. Não é só pela satisfação do resultado final. É o gosto que dá em sermos instrumento para promover um mundo melhor, e não caibo em mim, com todos os erros próprios de quem está a aprender a movimentar-se neste mundo que tem tanto de fascinante como de complexo, no orgulho de ter feito parte deste processo.

Obrigado, Alexandra! Obrigado, Catarina!

tiago.veloso.oliveira@gmail.com | 925 435 437 | linkedin.com/in/tiagofilipeoliveira95/

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